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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

R. BROSSO

( Brasil – São Paulo )

 

R. Brosso nasceu e mora em São Paulo – Capital. Tem formação em Letras, Semiótica (Mestrado – PUC-SP) e Ciências da Comunicação / Jornaismo (Doutorado, USP – 2003).
Artista plurimídia, poeta congregado ao  Concretismo-Noigandressss, bem como à Poesia InterSignos, proposta de Philadelpho Menezes.
Artista plástico e ensaista, dedica-se à pesquisa em Arte Cotemporânea e Teoria de Poesia.
Publicou: Língua com Asas: Poímãs (Espaço Acadêmico- 2020), Palavra comePalavra: Poesia Axial (Saramandaia-2021).
Lançou, como ficção erótica, Trapézio do Desejo (Helvetia), a ser traduzido para o francês.
O poema Tigres Negros, constante desta Coletânea, sagra e reata vozes dos poetas negros Langston Hugues ()1901-1967), Francisco José Tenreiro (1921-1963), Agostinho Neto (1922-1979), Abdias do Nascimento (1914-2011), Solano Trindade (1908-19740, Alda Espírito Santo (1926-2º10), Noémia de Souza (1926-2002), Ijeoma Oluo (1980- ) se Upile Chisala.

 

POETICOIA  11/2022.       Inclui os poetas Jovina Benigno, Auzana Pagot, Dora Lampert, Ferreira Lima,  R. Brossa, Thiago Medeiros.   São Paulo: OIA editora, 2022.   92 p.         14 x 20,5 cm. 
ISBN 978-85-84-84945-01-2                      
Ex. bibl. Antonio Miranda

 

TIGRES NEGROS

I

Aldeia, orações -manhã,
rumo deste tigre,
Agostinho.
Raízes, spiriuals em Bamako,
fruto, passos, caminho.
Junta as áfrica-dores
ergue-te — black,
crava tuas mãos pretas —,
pele, mãe, feras,
no asfalto negro
das artérias de América.
Inseparáveis pés
machucados de jazz,
rebentem.
Que o tigre negro,
Catitui —, estrale as asas;
bagos que caem
fazem tremer a terra de Luanda.
Calor de fogo, savana.
Olhar ficou parado
como minas de carvão
ou gravatas do cais.

Sabor de memória
do veludo da noite de São Tomé,
da noite de punhais,
de sangue do algodão nas mãos.
Tua face já fala do rumor de pétalas.
Língua de fogo.
Amante do tigre negro
é América negra,
grave África, Langston!
Agora, tigre, dorso brilha,
mais do que botas de Washington.
Geórgia, Texas,
negro não se levanta;
fica à mesa e grita:
eu também sou americano!
Tu, homem negro, sou eu.
Kalungano!
Fúria desnudada resplende só fera.
O vento traz o tigre, seu pelo
— uma negra bandeira ao vento, a rasgar cadeias,
a esmagar horizonte,
a estrangula muralhas,
a beijar a brisa da África!

Aço salgado dos teus braços,
América nagô —.
prende o seio e ergue a tocha:
nervos, órbitas, feridas,
leite de mãe-escrava, escorre-jibóia,
por todo o continente,
como língua de fogo.
Tigre negro lambe seu próprio pelo,
— juntar a canção ao sabre,
a lâmina ao timbre,
de estrela em estrela, tudo é um canto.
Acaso, no turbilhão,
o tigre, destarte, jade,
sem medo, estranho,
vem circundante,
lamber o sexo da cidade?
Olhar de punhal do tigre negro
oferece sois.
Batuque, desdobre
em pele de cobre,
rijo e rente..
América, arreganha os dentes.
Bandeiras iguais,
Trindade: povo, tambores, liberdade.
Africamérica tua e minha
caminha, onde vais?

O dia que não fala da solitude,
braços nus e punhos de aço,
sopro de africanidade, negritude.
O dia que não falar
do metal do teu verbo,
vertigem de tua dança,
claridade de tuas preces,
rebrilhe no livre campo...
Bié, Lumbo, Huambo...
Bandeira negra,
trilha acordada, kuakie!
Queimados avós da tua África,
plantadas cana da tua África,
batucados agogôs da tua África,
eis aqui o teu poema, do carvão das minas,
que ferve no seio da gente,
que me corre nas veias,
carne em carne, rocha
e mistério, terra quente.

II

Na tu´alma, preto-tu,
cavalgar na dança do chicote,
voz da terra vermelha,
e bamboleio e atabaque,
— o teu poema é de sol a sol,
feito a enxada e martelo,
é maracatu, centelha, tântalo, djembé.
Tempo se veste de âmbar.
O teu poema é sem métrica,
mas com karingana wa kaaringana
Karingana!
Céu que cintila, Solano,
o teu poema é se rima,
mas com ngoma e muxima.
Bandeira negra,
trilha acordada, kuakie!
Cordões da madrugada,
raiz desperta, terra ver, floresta-obó,
braços, bocas, poros, alerta!
O dia que não falar da dança,
o dia que não fala da azagaia,
o dia que não falar da azagaia,
o dia que não do teu algoz,
— destino que ganhou seiva,
grito que ganhou eco, eu vivo a tua voz.

Ó África, mamanê
,
irmã das pétalas negras,
ouço o vento que me traz Solano,
gongué da verdade:
povo, tambores, liberdade:
Trindade.
Solano,
Kalungano.
Arco do destino,
as flechas aqui trago,
que o sol está a pino,
— árvore, rio, lago, desperta infinito,
na palma da mão, o âmago da terra.
Há veredas que cantam,
mãos que colhem, — maçala!
Eis-me aqui, terra-mãe, tua fala,
búzios, Mikaia, izaquente,
a esticar o arco do continente!
Na mina, vozes crescem,
caminhos alcançam, como revoada.
Pediste:
nas docas, o encalço,
no Harlem, a trégua;
vingança, no cais!
Não te entregas!

Teus cantos não se perdem, não mais!
Agora tens o bálsamo para as feridas
de tuas costas nuas.
Tua voz é de tempo chegado.
Superfície do rio —
esticada como o couro do tamborim —,
olhos de vidro do Harlem —,
escuta o olhar do tigre.
Ouro do olhos noturno deste tigre,
queima as veias
do africaníssimo arranha-céu,
voz de sangue de Zimbabwem
horizonte em soluços.
Os passos deste tigre,
como o vento nas bananeiras...
No mais, a noite roxa toca. Tece.
No Texas, em Belize.
Seus passos são labaredas,
Arde canção do tempo,
na Bahia, em Cabo Verde.
Suores iorubas regam veredas.
Tenreiro vai, para que o seu ritmo —,
passo balé-bananeira —,
chegue da África, antes da azagai.
Pele, canto, sinos! Pata de tigre.

Tenreiro vai,
para que as unhas do tigre  possuam o sulco
do terreno arroxeado do Brasil.
Batuque, batuque, batuque!
O teu canto abismado —
agora lâmina de fogo,
leva-o vento, a desenhar
a nova terra mãe!
E Sidi, braços ao sol, Soiynka!
Alguns de nós, Chisala,
recolhem nossas lágrimas em conchas,
— Chisalágrima!
Triunfo de tua pele, Upile!
Homem da cor da terra.
Upile, lenanina, pele não te apaga!
Minha Mãe, me abraça!
Colhe, escolhe feridas, mas
me beije, Chisala!
Calo um nó na garganta,
— rio de saibro.

III

O sol a caiar o alpendre,
Gente santa ali balouça.
Agitada — Alda —,
sssdtraz a louça,
caldo e calda, quele não me ouça.
Caudal, caudal, o rio se arrepia.
— Sei, a escama acaba na pia.
Se escutasse a voz da sereia,
cortavam esse lugar
caracóis de ar,
mas é a triste areia
que pelos dedos escoa,
como a água da canoa,
Alda Santo de São Tomé,
sagrado solo da terra dormente,
contida alda-continente!
Calosas as mãos,
canção Catembe!
Espalmadas mãos,
mãos de Noêmia e sangue negro
queres conhecer?

Da cabeça aos pés,
espera, espera,
ferida, nas ruas
da cidade-cratera,
alma e nervo,
sou pra como o cervo!
Tem na mão, Solynka, a joia!
Obá! Obá!
Lagos, Ekó se levanta!
Sidi, Lasgci, Gidi!
Abuja!
Magia de Badagri!
Joia  ouro, o falso-ouropel,
O caracol acha farpas
em sua conche e foge,
— acácias, magia, ruge
como o leão de Mali.=.
que tigre és, Alda?

Oluo, ljeoma,
enfrenta o silêncio
de teu idioma!
Abdias, Abdias.
Caminhos do libertar,
cor do tempo que arde
como ferro em brasa,
quem lhe mostra a trilha,
Olodumaré, Orum e Alé.

Vim ver:
seu andar de tigre
descreve tantálica terra,
regresso ao mundo,
ao destino sagrado,
sob o selo da verdade.
Sopra o Vento-Leste,
acorda a cidade, sob um céu de áfricas:
Venceste!
Ouve as canções do vento,
a pata do tigre é um tocha,
na noite de grande marfim.
América e África
se beijam na boca
e fim!

Página publicada em outubro de 2022


 

 

 
 
 
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